EMENTA: CIVIL. ALIMENTOS. EXONERAÇÃO. RADICAL DETERIORAÇÃO DA SITUAÇÃO ECONÔMICA DO ALIMENTANTE. CAPACIDADE DA ALIMENTADA DE PROVER A PRÓPRIA SUBSISTÊNCIA SEM O CONCURSO DO EX-MARIDO. RECURSO PROVIDO. Deve ser exonerado do encargo alimentar o ex-marido idoso, doente e desempregado que, comprovadamente, está em situação de ruína econômica enquanto a ex-mulher alimentada, malgrado algumas dificuldades, possui condições de garantir o seu próprio sustento com os rendimentos de emprego público estável.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2007.040775-5, da Comarca de Barra Velha (Vara Única), em que é apelante N. S. T. e apelada Â. C. P. T.:
ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, por unanimidade, dar provimento ao recurso. Custas legais.
1. Trata-se de apelação proposta por N.S.T. contra sentença que julgou improcedente o pedido de exoneração ou de redução da pensão alimentícia de três salários mínimos estipulada em proveito de sua ex-mulher, A.C.P.T., ao ensejo de separação judicial decretada no ano de 2003.
Em suas razões recursais que se fizeram acompanhar de novos documentos, reitera a alegação de impossibilidade de prosseguir com o encargo imposto, já que sua renda mensal seria de apenas R$ 431,88 (quatrocentos trinta e um reais e oitenta e oito centavos), produzida pelo aluguel de um modesto imóvel.
Enfatiza que é portador de várias enfermidades, cujo tratamento consomem todo o seu rendimento, necessitando do auxílio de sua atual esposa para enfrentar todos esses gastos, ao passo que a apelada tem emprego público e desfruta de boa situação econômica.
Quanto aos filhos, informa que são maiores e independentes, não lhe competindo mais arcar com sua subsistência..
Ao final, requereu o provimento do recurso e a concessão do benefício da justiça gratuita.
Nas contra-razões, a apelada requereu o desentranhamento dos documentos anexados ao recurso, considerando que eles poderiam ter sido trazidos à colação antes da prolação da sentença. Pleiteou ainda que seja proclamada a deserção ante a falta de preparo recursal. No mais, enalteceu a sentença.
A d. Procuradoria-Geral de Justiça não identificou a necessidade de intervenção do Ministério Público.
É o relatório.
2. Preliminarmente e para efeito de admissibilidade do apelo, é de ser deferido ao recorrente o benefício da assistência judiciária gratuita, à vista da declaração de hipossuficiência apresentada, além, é claro de todas as evidências existentes nos autos, a fazer crer sobre sua impossibilidade em arcar com as custas e honorários processuais sem comprometer sua própria subsistência.
Assim e como o pedido de concessão do benefício não foi analisado na instância monocrática, não há que se cogitar da deserção do recurso.
No que tange aos documentos anexados às razões recursais, devem ser mantidos nos autos.
Somente os documentos indispensáveis à propositura da ação e à demonstração de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor devem necessariamente ser juntados com a inicial e a resposta (art. 396 do CPC). Sob o signo da busca da verdade real, base do julgamento justo, outros documentos, mesmo relevantes, podem ser anexados em qualquer fase, mesmo na recursal, desde que não se revele evidente o propósito malicioso de causar tumulto e de surpreender a parte adversa.
Não é o caso dos autos, onde a maioria dos documentos de fls. 168-339 diz respeito a fatos ou situações supervenientes à propositura da ação e à apresentação da contestação, malgrado anteriores à sentença. Parte dos documentos de gênese anterior à sentença retratam basicamente a continuidade de tratamentos médicos e a compra de remédios para o tratamento das doenças alegadas na inicial, sem potencial inovador sobre a causa de pedir.
De qualquer sorte, a apelante, ao contra-arrazoar, teve oportunidade para impugná-los e até ser-lhe-ia autorizado contrapor-se a eles com a juntada de outros documentos.
Superada esta questão, no mérito recursal cumpre ter uma visão retrospectiva da situação dos protagonistas processuais.
Segundo o autor-apelante, enquanto durou a sociedade conjugal com a apelada, ele desfrutava de uma condição econômica-financeira bastante confortável, proporcionada pelas suas atividades de engenheiro que morava e trabalhava num projeto nos Emirados Árabes, enquanto a esposa e os dois filhos viviam em Florianópolis, competindo a ela a administração dos bens do casal.
Afirma que, ao retornar para o Brasil, com a idade de 67 anos e já com problemas de saúde, constatou que a família, na sua ausência, gerara várias dívidas que se encontravam pendentes, como empréstimos bancários, impostos e taxas condominiais, sem contar o empréstimo gratuito de um apartamento localizado no bairro de Coqueiros, em Florianópolis, que, ao ser devolvido com avarias, precisou ser totalmente reformado. Além disso, a apelada nunca recolheu a sua contribuição previdenciária, razão porque, embora conte, atualmente, com 68 (sessenta e oito) anos, não reúne as condições necessárias para aposentar-se.
O apartamento que servia de residência à família, localizado em privilegiada na Avenida Trompowsky, acabou sendo leiloado para satisfazer dívidas acumuladas, de tal sorte que, após a separação, o único bem que restou para o apelante foi aquele apartamento situado no bairro Coqueiros, cujo aluguel da ordem de R$ 440,00 (quatrocentos e quarenta reais) constitui atualmente sua única fonte de renda.
Diz o autor que, neste contexto, consegue se manter graças aos rendimentos de sua atual esposa, professora pública, aposentada com proventos da ordem de R$ 1.700,00 ( um mil e setecentos reais – fl. 174). Garante que, para poder quitar os últimos meses de pensão da ex-esposa, viu-se compelido a fazer um empréstimo bancário, daí não lhe parecer juridicamente aceitável que se mantenha o encargo, sobretudo quando a apelada possui rendimentos próprio, superior ao seu.
Em contraposição, a apelada alega que vive em condições difíceis, morando atualmente na casa de sua mãe, pessoa humilde, e auxiliando na manutenção dos filhos do casal. Atribui ao ex-marido a culpa pela derrocada econômica, increpando-lhe ainda a tentativa de praticar golpes financeiros.
O que se conclui, então, destes relatos e versões é que apelante e apelada formaram um casal relativamente abastado e ostentaram um padrão de vida que muitas pessoas sonham ter.
É certo, porém, que esse tempo de bonança acabou, vivendo ambos numa situação radicalmente pior.
Não cabe e nem constitui objeto da ação proposta perquirir quem foi ou deve ser responsabilizado por essa decadência.
O que importa aqui verificar é, de um lado, se o autor-apelante mantém condições para continuar pagando o encargo alimentar e, de outro, se a apelada dele necessita para garantir sua subsistência.
Sob essa perspectiva, cumpre demarcar que os filhos do casal não residem com as partes, são maiores e independentes; o rapaz cursa especialização universitária em São Paulo, e a moça já está casada.
O apelante, de fato, não tem emprego e sua renda é, sem dúvida reduzida, como revela a declaração apresentada à Receita Federal, segundo quem, no ano-base de 2006, auferiu rendimentos tributáveis de R$ 5.815,68 (fl. 204) que parece provir da locação de um apartamento, cuja aluguel líquido, em junho de 2007, era da ordem de R$ 494,64 (fl. 208).
O apelado é dependente previdenciário de sua atual mulher (fl. 94), devendo ser somado a tudo isso o fato, comprovado por volumosa documentação, de estar padecendo de continuados problemas de saúde, cuja preservação lhe consome seguidos recursos.
A apelada, hoje com 54 anos de idade, era professora do Município de Florianópolis, com uma remuneração líquida, em junho de 2004, no valor de R$ 1.016,87 (um mil e dezesseis reais e oitenta e sete centavos) (fl. 58).
É fato certo também que, nesse mesmo mês, após lograr aprovação em concurso público, a recorrida foi nomeada, em caráter efetivo (e não temporário, conforme dito na contestação), para exercer cargo na carreira do magistério público federal (fl. 21). Na época do lançamento do edital do concurso, o vencimento básico do cargo era de R$ 546,32 (fl. 25). A ré não se animou em apresentar um exemplar atualizado da sua folha de pagamento, mas certamente seus vencimentos evoluíram.
Ora, a prova revela indiscutivelmente que a situação econômica do apelante deteriorou-se agudamente, sendo totalmente diversa daquela que, ao ensejo da separação, lhe permitiu assumir o encargo alimentar.
A condição atual do autor pode ser sintetizada em algumas palavras desalentadora: idoso, doente, desempregado, dependente da mulher.
Não é lícito afirmar que a apelada esteja desfrutando de uma situação confortável, mas, sem dúvida, ela tem situação muito melhor que o ex-marido e pode prescindir da sua ajuda sem perigo de comprometer sua subsistência digna.
Lido o art. 1.695, do Código Civil ("São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento") e sopesada a prova, é de rigor prover o recurso para, reformada a sentença, julgar procedente o pedido para exonerar o autor-apelante do pagamento da pensão alimentícia em proveito da ré-apelada, invertidos os encargos de sucumbência cuja exigibilidade, no entanto, fica suspensa sob as condições do art. 12, da Lei 1.060/50, posto que, nesta oportunidade, a ela é deferido o benefício da assistência judiciária gratuita pleiteado na contestação (fl. 55).
3. Nos termos do voto do relator, a Câmara, por votação unânime, deu provimento ao recurso.
Presidiu o julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Des. Mazoni Ferreira, com voto , e dele participou o Exmo. Des. Substituto Luiz Carlos Freyesleben.
Florianópolis, 26 de junho de 2008.
Newton Janke
RELATOR
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Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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